Foi em uma roda de conversa e brincadeira que Lívia*, aos 5 anos, revelou para a psicóloga que a atendia, os momentos de abuso vividos com o irmão mais velho, de 9 anos. Tímida e arredia, a menina permanecia calada em várias atividades propostas pela organização social da qual fazia parte. Sem entender, ela se sentia triste e invadida, com o jeito que o irmão a olhava e tocava. Os abusos a incomodavam muito.
“Percebi que tinha alguma coisa estranha. Depois de outras vezes que a gente foi fazendo a atividade, ela compartilhou que o irmão entrava no quarto dela, quando ela voltava do banho”, conta Patrícia*, psicóloga da organização.
A mãe e o pai não sabiam de nada e, inocente, Lívia viveu momentos de medo, dor e constrangimento também com a mãe. Frequentemente, a ela usava da violência física e psicológica para criar os filhos. Agressiva, brigava muito com a menina, a ponto de bater e puxar o seu cabelo.
“Uma vez, a Lívia veio de trança no cabelo e uma criança, por brincadeira, pegou um chiclete e colou na trança dela. A menina teve uma crise de choro e não queria ir embora, com medo da mãe e dizendo: ‘a minha mãe vai me bater tanto tia”, lembra a psicóloga.
A sua pureza de criança era cada dia mais exposta, em meio a tantas violações. Lívia, não via maldade nas atitudes do irmão. Mas foi com a orientação e o apoio da organização, que a garota percebeu que alguns segredos não podem ser guardados, e descobriu o verdadeiro significado da palavra limite.
“Ela compartilhou que o irmão fazia isso com frequência, entrava no quarto, depois que ela tomava banho, e fechava a porta. Só que ela não conseguia falar o que ele fazia. Inicialmente, ela falava que ele a olhava trocar de roupa. E me disse assim ‘tia, quando eu descobri que não podia guardar esse tipo de segredo e ele tentou fazer isso de novo, eu gritei tanto e chamei a minha mãe’”, relata Patrícia.
“Falamos muito para as crianças sobre segredos, e como nosso corpo pode receber um carinho e não ficarmos feliz com isso. Às vezes, só um abraço, deixa a criança incomodada, então, explicamos que elas vão passar por isso em outras situações e como devem lidar”, completa.
Finalmente, Lívia conseguiu se libertar e falar sobre a angústia que passava ao lado do menino. Foi então que contou para a mãe que o irmão entrava em seu quarto e mexia em suas partes íntimas. Desesperada, a mãe de Lívia conversou com o filho e entregou uma chave do quarto para a menina, proibindo o contato entre os dois e preservando a privacidade da filha. Sem saber como agir depois da revelação, a mãe de Lívia procurou ajuda na organização.
“Encaminhamos os dois para o Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), pois ele também era uma criança. Eles tiveram acompanhamento do Conselho Tutelar e do CRAS da cidade e, depois, envolvemos o menino aqui nas oficinas”, declara a psicóloga.
“Percebemos que ele fazia aquilo, porque tinha visto em algum lugar. Então, ele era outra criança violada” explica.
Após alguns meses, Lívia, o irmão e a mãe passaram a participar das atividades e formações socioeducativas realizadas na organização.
“Pelo o que identifiquei, o irmão estava muito sexualizado. Ele via na escola com os colegas, vídeos e filmes no celular, e até já tinha ouvido os pais durante as relações. Então, fizemos um trabalho de orientação com os pais”, conta Patrícia.
Foi a partir daí que uma nova história começou a ser escrita para a menina que, antes, não sabia a força e confiança que existia dentro de si. Lívia passou a brincar mais, fazer ballet e a ter voz ativa entre os coleguinhas.
“Ela está no balé agora. A professora me contou que a autoestima dela melhorou demais. Uma criança que tem uma autoestima fortalecida, dificilmente, vai ouvir qualquer conversa, de qualquer pessoa. Consegui perceber isso muito nela, a mudança de confiança que ela teve”, finaliza.
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* Nomes e imagens alterados para preservar as identidades dos envolvidos.
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