Dudu* sentiu cedo demais o gosto amargo da vida. Menino alegre e radiante, ele era o irmão mais novo de três filhos de pais separados. A mãe era diarista e vivia em um barraco simples, em uma comunidade pobre de Maceió. Logo cedo, a mãe saia em busca de trabalho no centro da cidade e deixava os filhos em casa, com a esperança de que Dudu fosse para a escola no período tarde.
Além do pai, a comida era ausente na família de Dudu. Todos os dias, ao lado do irmão mais velho, ele saia para pedir ajuda para os vizinhos. Entre meio saco de arroz e outro de feijão, Geraldo*, comerciante da rua, quase sempre se dispunha a oferecer um pedaço de carne que sobrava do açougue clandestino do seu pequeno mercado. Para agradar, algumas vezes, o homem entregava algumas balas e guloseimas nas mãos de Dudu. O sorriso aparecia rapidamente no rosto do garoto e era sua única forma de agradecimento.
Na escola, Dudu era um aluno dedicado e vivia rodeado de colegas. O menino era o único que ia contra o destino dos irmãos, que desde cedo trabalhavam na rua para ajudar em casa.
Mas um dia, de forma devastadora, sua vida mudou completamente. Dudu precisou ficar uma semana em casa, pois a escola estava fechada devido à greve de professores. Sem saber com quem deixar o menino, sua mãe pediu para que um dos irmãos cuidasse dele e não fosse trabalhar. O desespero tomou conta de todos naquela semana, pois os mantimentos em casa estavam quase no fim.
Como de rotina, Dudu e o irmão foram atrás de ajuda, mas, sem a merenda da escola, muitas famílias precisavam mais do que nunca de comida em casa. Com a barriga doendo de fome, Dudu logo pensou em ir no comércio de Geraldo. Diferentemente dos outros dias, o homem ofereceu trabalho para o irmão de Dudu, em troca de 20 reais, e prometeu cuidar dos meninos aquele dia, garantindo almoço e lanche para os dois. Inocentes, Dudu e o irmão passaram a tarde ajudando o comerciante a embalar as mercadorias dos clientes e repondo alguns produtos nas prateleiras.
Sem saber que aquele momento viraria um pesadelo para o resto de sua vida, o menino acompanhou Geraldo até o estoque com a desculpa de que, enfim, concluiria seu trabalho ganhando um dinheiro extra. Os minutos que passou preso àquela situação pareceram uma eternidade para Dudu. Ele nunca sentiu mãos tão ásperas e pesadas tocando sua pele. Aquele dia, nenhuma bala poderia adoçar o gosto amargo da dor que sentiu em seu coração. Em troca do silêncio, ele foi para casa com 50 reais nas mãos e uma frase que nunca mais sairia de sua mente: “Esse é um segredo que vamos guardar para sempre”.
Dudu é uma entre muitas crianças que poderão viver com esse segredo para sempre. Por isso, fique atento aos sinais. Abuso sexual é crime, se souber de algo, denuncie!
* Nomes e imagens alterados para preservar as identidades dos envolvidos.